Poxa vida, Fabiana! De novo Alice no País das Maravilhas?!?!
Tá bom, há pouco tempo fiz uma postagem sobre Alice aqui no blog, mas desculpem-me, não resisti: esses dias, fuçando coisas velhas, achei alguns textos, resenhas e monografias dos tempos de faculdade, e no meio dessa papelada, eis que está lá, minha resenha de Alice, ainda manuscrita, já que em 2000 meu acesso ao mundo digital era bem limitado. Fiz essa resenha para o curso de Literatura Infantil com a Doutora Maria dos Prazeres, que é uma fofa e me ensinou muito. Achei que seria legal compartilhar com vocês uma resenha realmente analítica, pois na grande maioria das vezes, o que posto aqui no blog, são meros comentários e impressões de leitura. Espero que gostem!
Resenha Crítica: Alice no País das Maravilhas
Quando ouvi pela primeira vez "Alice no País das Maravilhas", eu deveria ter uns 7 anos. Havia ganhado um disco com a história de Alice, mas todas aquelas maravilhas me amedrontavam. Era tudo muito distante do real e eu nunca consegui aceitar as maravilhas de Alice. Agora, com mais idade e munida de instrumentos para vasculhar a obra, tomei coragem e li o livro. O resultado foi surpreendente: ADOREI! Talvez tenha sido um dos melhores livros que já li em minha vida. Parece estranho, mas acho que deve ter uma explicação para reações tão contrárias.


No "País das Maravilhas" nunca se está sozinho e a solidão era um grande problema no mundo real para Alice, mesmo estando ao lado da irmã. Durante toda a história a mesma encontra animais ou objetos que falam e opinam (apesar de sempre serem opiniões um tanto quanto estranhas) e brincam (para brincar no "País das Maravilhas" não é necessário seguir regras ou ao menos criá-las, basta participar que ao final todos vencem).
Apesar de tudo parecer muito maluco, Alice não se desliga totalmente da realidade, usando alguns valores reais em seu mundo inventado, como por exemplo, os ratos do "País das Maravilhas", apesar de serem falantes e agirem quase como seres humanos, também têm medo de gatos e cachorros.
Muitas vezes, no mundo infantil, os animais têm a mesma importância e inteligência dos seres humanos. São poucas as crianças que não conversam com animais, ainda mais quando se é tão só como Alice. Por isso há esta necessidade de preencher o vazio da solidão com a criatividade, fazendo dos animais quase seres humanos ou vice-versa, como no caso do bebê nervosíssimo que se transforma num porquinho calmo ao entrar em contato com Alice. Os valores se invertem e os limites entre o animal e o humano já não existem. Aliás, neste capítulo aparecem os primeiros seres humanos do "País das Maravilhas", que são a Duquesa e a cozinheira, duas mulheres de costumes violentos: a primeira tentava fazer dormir a criança com uma cantiga esdrúxula e sacudi-a fortemente, já a segunda jogava pratos e panelas para todos os lados, inclusive na Duquesa, sua patroa, e em Alice. Para contrastar com essas duas personagens, temos o guarda desta casa, que é um peixe muito calmo, e um gato que vive a sorrir. Com este jogo de contrários, percebemos que, par Alice, as pessoas comportam-se quase como animais e os animais como pessoas.

Em relação ao tempo, Alice também distancia-se do real. O chá com a "Lebre Louca" e o "Chapeleiro"nunca tem fim, parece sempre ser as 5:00 da tarde, hora do chá. O relógio do "Chapeleiro" marca os dias, enquanto o da Lebre, os meses e os anos, fazendo do tempo maravilhoso um tempo mais longo onde pode-se gastá-lo inteirinho tomando chá ou dormindo como o "Ratão".
A lei e a ordem não são de grande importância no "País das Maravilhas", apesar de existirem. A Rainha, que parece tão autoritária ao mandar decapitar a quase todos, perde sua autoridade quando o Rei manda, ao contrário, poupar a vida de todos, Esta ordem maluca não atinge Alice, pois ela é a única a qual a Rainha não manda cortar-lhe a cabeça, exatamente porque Alice é criadora desse mundo e não apenas simples personagem.
Por fim, temos um tribunal às avessas que termina de confirmar o mundo e valores contrastantes entre real e maravilhoso. Neste tribunal as testemunhas não têm grande importância e seus testemunhos tornam-se distorcidos e pressionados pelo juiz. No julgamento, Alice que estava pequenina, ao poucos volta a crescer e é chamada para testemunhar. Neste momento Alice parece começar a voltar à razão argumentando com triunfo e lógica diante do juiz. Alice cresce cada vez mais e isto leva-a a continuar a argumentação sem medo de mais ninguém até voltar ao seu tamanho normal e dizendo que não se importava nem com a Rainha, nem com nenhum dos moradores do "País das Maravilhas" e que tudo aquilo parecia absurdo. Nessa hora ela escuta a voz de sua irmã chamando-a à realidade. Alice acorda do sonho do "País das Maravilhas".
Com "Alice no País das Maravilhas", Carrol mostra um mundo fantasioso criado por uma menina que para fugir da realidade tenta buscar a felicidade e perfeição no imaginário, mas conclui que o maravilhoso por absoluto também não é feliz e perfeito, por isso volta à realidade.
Talvez foi por não encontrar a perfeição nem na realidade e nem no mundo de Alice que tive medo dessa história quando era pequena.
Talvez porque apesar de Carrol conseguir tocar no fundo do imaginário e psicológico infantil, ele seja um adulto, e não uma criança.
CARROL, Lewis. GIACOMO, Maria Thereza Cunha de, Alice no País das Maravilhas. 13a. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1977.
É isso aí. Se eu fosse reescrever este texto hoje, mudaria muitas coisas: tiraria umas repetições, aprofundaria algumas análises em teor psicológico, mas enfim, foi lá na USP que essa história de gostar de analisar começou e essa resenha é um dos meus protozoários analíticos. Com certeza a professora foi generosa na nota.
Boas Leituras!